quarta-feira, 19 de março de 2014

Aprender com a cabeça e com o coração


O maior desafio do mundo da informação é, para quem estuda, como organizá-la, como encontrar critérios que viabilizem a organização da informação e que permitam, com isto, torná-la disponível quando necessária. Ora, tais critérios são, antes de tudo, formas de pensar e de sentir, ou seja, formas de viver. Quem pretende enfrentar o mundo da informação somente com a cabeça, com abstrações, não irá muito longe. O excesso de informação mal compreendida, mal armazenada, significa o mesmo que confusão. Não há muita distância entre confusão e falta de informação. Não será possível chegar ao conhecimento crítico, inovador, com uma relação meramente racional diante das informações. Este é o caminho da congestão mental. O acúmulo de dados, seja em computadores, seja em cérebros vivos, não representa conhecimento. A análise, a fragmentação dos dados, sem uma correspondente síntese, não leva a nenhum conhecimento útil e pode, pelo contrário, levar a muitos conhecimentos inúteis.

Ninguém pode ensinar a quem não quer aprender, a quem não se encontra disponível para as incertezas e em busca de conhecimento. Não é possível orientar quem está parado e não pretende ir a lugar nenhum. Não é possível orientar sem aprender a orientar com o orientando. Ensinar é fundamentalmente aprender. Aprender a enfrentar o desafio da vinculação da emoção com a razão no processo de conhecer e, além disso, enfrentar o desafio de criar meios, mecanismos, recursos, instrumentos, estratégias e táticas que mobilizem, no educando, sua emoção em paralelo com sua razão. Esquecer ou reprimir a primeira em função da segunda, sob a alegação de que a emoção apenas atrapalha o conhecimento científico, é retroceder mais de um século na psicologia da aprendizagem.

Aprender a aprender é realmente o mais importante na sociedade da informação. Estar em busca de, estar ideologicamente inquieto, insatisfeito, é pré-condição de aprendizado efetivo. Ter aprendido algo significativo implica em conseguir emocionar-se, até certo ponto, toda vez que nos relacionamos novamente com tal conteúdo. Quem aprendeu com a cabeça e com o coração sempre tem algo mais a dizer sobre o que parece ter aprendido. Consegue reemocionar-se toda vez que se envolve com o aprendido. Assim, torna-se mais persuasivo, convincente, quando busca partilhar seu conhecimento com os demais. A representação do aprendido não é apenas uma re-apresentação do conhecido, em forma racional, abstrata. É também uma representificação, uma nova viagem, um novo mergulho.


Poética, Diálogo e Razão

O diálogo não se estabelece no vazio e, mais que isso, podemos perceber que o indivíduo, o tempo todo, constrói sentidos. Somos dotados de capacidade de construção de sentidos e reordenação de idéias, logo, compreensão, frente às problemáticas do cotidiano. As linguagens, sozinhas, não dão conta das inúmeras possibilidades de ordenar o mundo. Necessitamos do outro nessa compreensão, visto que a compreensão sempre é, em certa medida, dialógica.

O conhecimento dialógico é evidência máxima da permutabilidade entre os vários campos do saber. Não podemos isolar áreas do conhecimento humano baseados, apenas, em suas especificidades. Devemos, sim, perceber os diversos sentidos que os encontros do rigor científico com a subjetividade ressoam em ecos que se espalham aos tantos ventos.

Pensar o dialogismo como construtor de sentido não é apenas evidência das transformações necessárias à nossa atualidade, é, também, um modo de perceber que todas as áreas do conhecimento estão atreladas às práticas sociais e que, no dialogismo e intertextualidade, reside o estabelecimento de bases para os construtos culturais.


Fonte: SANTOS, Moises Lucas dos. Poética, Diálogo e Razão

Fonte: BOEIRA, Sérgio Luís. Aprender com a cabeça e com o coração.

domingo, 9 de março de 2014

Universidade na encruzilhada

Desde meados do século XX, o mundo questiona e discute a universidade como, talvez, nunca o tenha feito antes. São vários os aspectos questionados e discutidos. Mas, nos últimos anos, certos enfoques se tornaram cada vez mais severos, chegando-se mesmo a questionar até a própria pertinência das universidades no mundo atual.



1) Os questionamentos ganham ainda mais força quando se fala em custos e gastos públicos, já que as finanças públicas se tornaram cada vez mais limitadas, complexas e problemáticas. Mas, afinal, geralmente aplicar dinheiro em educação ainda desperta mais sentimento de gasto do que de investimento. E, se há dúvidas quanto aos resultados, as coisas ficam ainda mais difíceis. O quadro não é muito diferente quanto às instituições privadas e seus usuários e mantenedores.
Examinando, porém, os registros históricos, podemos constatar que sempre foi assim: as sociedades sempre estiveram conflitando com as universidades, e estas sempre estiveram se autocriticando e buscando reformar-se. No que diz respeito à sua reputação pública, elas têm sido, quase permanentemente, instituições insatisfatórias, lembra Minogue, apesar de serem sempre reconhecidas como importantes e necessárias. Para muitos, elas trazem consigo o mistério da sabedoria, o romance do segredo e a aventura do desconhecido nos caminhos do futuro. Relativamente discretas na Idade Média, as críticas dirigidas contra a universidade multiplicaram-se durante o Renascimento. Dos humanistas aos filósofos, a universidade era constantemente questionada, registram Charle e Verger.

2) Ao longo dos séculos, a universidade passou por inúmeras reformas: procurava-se torná-la mais eficiente ou mais útil. Na prática, o que se quis foi assegurar o controle do Estado, em detrimento da autonomia – considerada vulnerável aos corporativismos e aos controles religiosos e partidários. Nas mudanças a busca do conhecimento como fim em si foi sendo preterida em favor da busca de uma sabedoria também utilitária. Em vez do foco apenas no estudante como indivíduo, passou–se a considerar mais a sociedade como um todo, ou os interesses sociais maiores. Ademais, o conhecimento cresceu tanto que extinguiu para sempre o sábio generalista ou enciclopédico. A erudição assume hoje novas características. A dinâmica dos acontecimentos foi tal que, a rigor, as reformas das universidades nunca foram capazes de atender às exigências dos momentos históricos em que aconteceram. Em meados do século XIX, por exemplo, quando Newman propôs o seu modelo de universidade, a revolução democrática, a industrial e a científica já estavam acontecendo no mundo ocidental. Como disse Clark, a ciência estava começando a tomar o lugar da filosofia moral e, a pesquisa, o lugar do ensino. Mais tarde, quando Flexner escrevia sobre a Universidade Moderna, essa já estava deixando de existir.

3) A verdade é que a universidade sonhada nunca de fato aconteceu, até porque é quase uma idealidade, uma utopia pura, inatingível – mas sempre desejada. Talvez esteja aí a sua força, a sua resistência milenar. As que mais avançaram ou se destacaram apenas chegaram às fronteiras mais próximas dos sonhos. Sonhos que mudam com o tempo, com a dinâmica evolutiva da humanidade. Os novos paradigmas – que as universidades tanto ajudaram a construir – determinaram profundas transformações no mundo em todos os tempos. Mudanças essas que muito as afetaram, imprimindo-lhes também peculiaridades nacionais e regionais. Em nosso País, como na América Latina, vemo-las hoje incluídas nos chamados sistemas de educação superior, versão moderna dos sistemas de ensino superior, longe do sonho inicial, mas talvez mais próximas dos mortais comuns, com todas as suas qualidades, pecados e imperfeições.

4) O ensino superior – com as características que passou a apresentar a partir do século XVIII  – atingiu em cheio os sistemas universitários tradicionais. A crescente demanda por vagas nos cursos universitários praticamente afogou as universidades e os valores a elas ligados. Estatísticas recentes mostraram fantástica aceleração na expansão de matrículas no ensino de graduação no Brasil, chegando-se a 2.694.245 alunos no ano 2000. Em 1968, apenas 278.295 estudantes estavam matriculados.



5) Contradições entre o mundo universitário tradicional e as aspirações dos estudantes e seus familiares, quanto a possibilidades finais de inserção profissional no mundo real – além de outros motivos sociais estratégicos – foram exigindo transformações irreversíveis das universidades, descaracterizando-as e impedindo que universidades novas alcançassem as características institucionais necessárias ao status reconhecido de universidade. Além disso, à medida  que os avanços científicos e tecnológicos foram chegando mais e mais aos níveis da competição econômica, transformando-se em objetivos centrais das nações, os seus centros geradores – muitos dos quais baseados nas universidades – foram sendo cobiçados, descentralizados, diversificados e autonomizados. Perdendo – ou não mais concentrando – as correntes intelectuais geradoras de novos conhecimentos e realmente inovadoras, as universidades mais autênticas vão se enfraquecendo, tornando-se meras componentes do sistema de educação superior. Um sistema já a caminho da Educação a Distância, para que os grandes contingentes de jovens possam ser atendidos. É a encruzilhada. Talvez de um caminho inevitável e sem volta. É preciso assumir que a universidade tradicional já não é mais possível. Estamos a caminho de uma nova aventura que não parece desprezível. Está nascendo uma nova universidade. Talvez seja preciso uma nova Alma Mater. Ou mais de uma.

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Fonte: MORHY, Lauro. Universidade na encruzilhada. Universidade de Brasília, 12 mar. 2003. Disponível em: <http://www.serprofessoruniversitario.pro.br/ler.php?modulo=19&texto=1197>. Acesso em 19 ago. 2009.