Desde meados do século XX, o mundo
questiona e discute a universidade como, talvez, nunca o tenha feito antes. São
vários os aspectos questionados e discutidos. Mas, nos últimos anos, certos
enfoques se tornaram cada vez mais severos, chegando-se mesmo a questionar até
a própria pertinência das universidades no mundo atual.
1) Os questionamentos ganham ainda mais
força quando se fala em custos e gastos públicos, já que as finanças públicas
se tornaram cada vez mais limitadas, complexas e problemáticas. Mas, afinal,
geralmente aplicar dinheiro em educação ainda desperta mais sentimento de gasto
do que de investimento. E, se há dúvidas quanto aos resultados, as coisas ficam
ainda mais difíceis. O quadro não é muito diferente quanto às instituições
privadas e seus usuários e mantenedores.
Examinando, porém, os registros
históricos, podemos constatar que sempre foi assim: as sociedades sempre
estiveram conflitando com as universidades, e estas sempre estiveram se
autocriticando e buscando reformar-se. No
que diz respeito à sua reputação pública, elas têm sido, quase permanentemente,
instituições insatisfatórias, lembra Minogue, apesar de serem sempre
reconhecidas como importantes e necessárias. Para muitos, elas trazem consigo o
mistério da sabedoria, o romance do segredo e a aventura do desconhecido nos
caminhos do futuro. Relativamente
discretas na Idade Média, as críticas dirigidas contra a universidade
multiplicaram-se durante o Renascimento. Dos humanistas aos filósofos, a
universidade era constantemente questionada, registram Charle e Verger.
2) Ao longo dos séculos, a universidade
passou por inúmeras reformas: procurava-se torná-la mais eficiente ou mais útil.
Na prática, o que se quis foi assegurar o controle do Estado, em detrimento da
autonomia – considerada vulnerável aos corporativismos e aos controles
religiosos e partidários. Nas mudanças a busca do conhecimento como fim em si foi sendo preterida em
favor da busca de uma sabedoria também
utilitária. Em vez do foco apenas no estudante como indivíduo, passou–se a
considerar mais a sociedade como um todo, ou os interesses sociais maiores. Ademais, o conhecimento cresceu tanto
que extinguiu para sempre o sábio generalista ou enciclopédico. A erudição
assume hoje novas características. A dinâmica dos acontecimentos foi tal
que, a rigor, as reformas das universidades nunca foram capazes de atender às
exigências dos momentos históricos em que aconteceram. Em meados do século XIX,
por exemplo, quando Newman propôs o seu modelo de universidade, a revolução
democrática, a industrial e a científica já estavam acontecendo no mundo
ocidental. Como disse Clark, a
ciência estava começando a tomar o lugar da filosofia moral e, a pesquisa, o
lugar do ensino. Mais tarde, quando Flexner escrevia sobre a Universidade
Moderna, essa já estava deixando de existir.
3) A verdade é que a universidade
sonhada nunca de fato aconteceu, até porque é quase uma idealidade, uma utopia
pura, inatingível – mas sempre desejada. Talvez esteja aí a sua força, a sua
resistência milenar. As que mais avançaram ou se destacaram apenas chegaram às
fronteiras mais próximas dos sonhos. Sonhos que mudam com o tempo, com a
dinâmica evolutiva da humanidade. Os novos paradigmas – que as universidades
tanto ajudaram a construir – determinaram profundas transformações no mundo em
todos os tempos. Mudanças essas que muito as afetaram, imprimindo-lhes também
peculiaridades nacionais e regionais. Em nosso País, como na América Latina,
vemo-las hoje incluídas nos chamados sistemas
de educação superior, versão moderna dos sistemas de ensino superior, longe do sonho inicial, mas talvez
mais próximas dos mortais comuns, com todas as suas qualidades, pecados e
imperfeições.
4) O ensino superior – com as
características que passou a apresentar a partir do século XVIII – atingiu em cheio os sistemas universitários
tradicionais. A crescente demanda por vagas nos cursos universitários
praticamente afogou as universidades e os valores a elas ligados. Estatísticas
recentes mostraram fantástica aceleração na expansão de matrículas no ensino de
graduação no Brasil, chegando-se a 2.694.245 alunos no ano 2000. Em 1968,
apenas 278.295 estudantes estavam matriculados.
5) Contradições
entre o mundo universitário tradicional e as aspirações dos estudantes e seus
familiares, quanto a possibilidades finais de inserção profissional no mundo
real – além de outros motivos sociais estratégicos – foram exigindo
transformações irreversíveis das universidades, descaracterizando-as e
impedindo que universidades novas alcançassem as características institucionais
necessárias ao status reconhecido de universidade. Além disso, à
medida que os avanços científicos e
tecnológicos foram chegando mais e mais aos níveis da competição econômica,
transformando-se em objetivos centrais das nações, os seus centros geradores –
muitos dos quais baseados nas universidades – foram sendo cobiçados,
descentralizados, diversificados e autonomizados. Perdendo – ou não mais
concentrando – as correntes intelectuais geradoras de novos conhecimentos e
realmente inovadoras, as universidades mais autênticas vão se enfraquecendo,
tornando-se meras componentes do sistema
de educação superior. Um sistema já a caminho da Educação a Distância, para
que os grandes contingentes de jovens possam ser atendidos. É a encruzilhada.
Talvez de um caminho inevitável e sem volta. É preciso assumir que a
universidade tradicional já não é mais possível. Estamos a caminho de uma nova
aventura que não parece desprezível. Está nascendo uma nova universidade.
Talvez seja preciso uma nova Alma Mater.
Ou mais de uma.
[...]
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