quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Volkswagen: tecnologia para contaminar sem deixar rastros

Como a montadora alemã criou motores que simulam ser ecológicos em testes, mas emitem, nas ruas, quarenta vezes mais poluentes

Volskwagen
Revendedora da Volkswagen em Berlim, em 22 de setembro: o escândalo abala a montadora e pode ser só a ponta do iceberg
No mundo mágico da publicidade, os automóveis são tão inofensivos e contemporâneos como era o tabaco, há quinze anos. Os motoristas deslizam por ruas e avenidas sempre vazias. Dirigir nas cidades é relaxante e aprazível. Os carros oferecem potência a seus condutores, mas os convertem, ao mesmo tempo, em defensores da natureza. Porque os motores, tecnologicamente muito avançados, adequam-se a todas as normas de proteção ambientais. Há uma semana, mais um sustentáculo desta narrativa infantilizante está desmoronando.
Descobriu-se que a Volkswagen, segunda maior empresa global em seu ramo, não emprega a tecnologia para aperfeiçoar seus produtos, mas para criar a ilusão de que são bons.
Pelo menos onze milhões de motores da marca foram programados para simular, quando submetidos a testes, que emitem entre cinco e quarenta vezes menos poluentes que em condições de tráfego.
O artifício – uma espécie de malandragem high-tech, com sotaque alemão – permitiu até agora burlar as normas que deveriam inibir a emissão de um composto altamente nocivo, tanto para o equilíbrio climático quanto para a saúde humana. A Volkswagen – cujo presidente mundial acaba de renunciar, numa tentativa de encerrar o caso oferecendo ao público um bode expiatório – não está sozinha. Tudo indica que a indústria automobilística pratica, de modo generalizado, fraudes deste tipo.
Os fatos começaram a vir à tona na sexta-feira 18. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês) norte-americana, anunciou ter descoberto que o motor EA189 a Diesel, utilizado em carros de passeio pela Volks, Audi e possivelmente outras das nove empresas do grupo (composto também por Porsche, Seat, Skoda, Bentley, Lamborghini e Bugatti) estão equipados com um software que lhes permite, em condições de teste de poluição, emitir níveis abruptamente reduzidos de óxidos de nitrogênio.
Este grupo de compostos gasosos destaca-se, entre as dezenas de contaminantes emitidos pelos motores a explosão, por contribuir de modo especialmente intenso para o aquecimento global, e por favorecer o surgimento de doenças respiratórias como asma, bronquite e mesmo enfizema.
A descoberta foi feita de modo involuntário, quase por acidente – o que reforça a hipótese de que fraudes semelhantes sejam comuns. Há meses, o pequeno braço norte-americano de uma OnG europeia que reivindica automóveis menos poluentes (o Conselho Internacional para Transporte Limpoverificou que, nas estradas, os carros equipados com o EA189 emitiam entre cinco e quarenta vezes mais óxidos de nitrogênio que nos testes certificados pela EPA.
Imaginando que se tratasse de uma falha ocasional nos motores testados, a OnG pediu que a EPA submetesse os propulsores a novos testes. Surpresa: em condições de laboratório, os motores voltaram a aparentar emissões reduzidas. A disparidade extrema entre os resultados levou a uma investigação mais profunda. Ela constatou: o EA 189 é capaz de detectar que está sendo submetido a testes. Nestas condições, funciona em regime de baixa emissão.
Mas é então, poluindo descontroladamente, que realiza o que a propaganda da Volkswagen promete: ser um motor Diesel econômico, porém potente, de alto torque, capaz de proporcionar velocidade e arrancadas. Viril, portanto. Nestas condições, é como se o EA189 resolvesse um dos grandes dramas da alma humana imersa no capitalismo: ele permite desejar potência sem limites, em meio a um planeta finito. Mas atenção: só no modo carochinha, de realidade virtual…
Será uma obsessão restrita à germânica Volkswagen? Tudo indica que não. O escândalo atual é, provavelmente, “a ponta de um iceberg”, diz o site Business Insider. Fraudes idênticas podem ocorrer também com motores a gasolina, completa The Guardian.
Martin Winterkorn
Martin Winterkorn, o CEO da Volks: bode expiatório (Foto: Kaiketsu / Wikimedia Commons)
As regras e checagens, supostamente “rigorosas”, que deveriam limitar os efeitos devastadores da indústria automobilística são frouxas. As norte-americanas, consideradas as mais severas do mundo, foram facilmente dribladas pelo software da Volkswagen. Na Europa, burlá-las é ainda mais fácil, conta Greg Archer, líder do thinktank britânico Transport and Environmentsobre veículos limpos.
No Velho Continente, explica ele, os testes são feitos apenas em protótipos, antes de os carros serem produzidos em massa; e por empresas pagas pela própria indústria automobilística. Não surpreende que sempre aprovem os carros. Seria conveniente perguntar: e no Brasil?
A descoberta das fraudes da Volkswagen produziu um pequeno terremoto financeiro. O valor de mercado da empresa – considerada um pilar da economia alemã – reduziu-se em um terço, em apenas quatro dias. Mas tudo indica, reconhece a própria revista Economist, pró-capitalista, que a maior parte das montadoras globais de automóveis promove manipulações idênticas às da VW.
Foi certamente esta consciência – e o medo de futuras revelações – que provocaram, na terça-feira 22, desvalorizações expressivas nas ações da Renault (-4%), Peugeot (-2,5%), Nissan (-2,5%) e BMW (-1,5%).
Os amantes brasileiros da indústria automobilística podem, ainda assim, dormir despreocupados. Embora o escândalo tenha estourado há cinco dias e ocupe deste então muitas páginas, em dezenas de jornais em todo o mundo, nem Folha, Globo ou Estadão haviam dedicado uma linha ao tema até esta tarde – quando ele tornou-se obrigatório devido a renúncia de Martin Winterkorn, presidente da Volks.
Agora, os três diários brasileiros mais vendidos, assim como as revistas e TVs aceitam sem críticas a versão segundo a qual tudo se passou de um erro pessoal de Winterkorn. Ao avaliar o volume de publicidade da indústria automobilística nestes meios, você certamente compreenderá as razõe$

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/
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