O setor de energia elétrica é conhecido por ser extremamente técnico,
todavia, pouco se comenta sobre a influência política nas principais decisões
setoriais. Inicialmente é preciso dizer que no Brasil a energia elétrica teve
seu inicio através da prestação de serviço realizada diretamente pelo poder
público e mesmo com seguidas privatizações, ainda hoje a Eletrobras exerce
grande influência nos segmentos de geração, transmissão e distribuição.
Contudo, a prestação do serviço executada diretamente pelo poder público não
justifica a ingerência política no setor.
Desde 2002, o modelo regulatório aplicado ao setor vem sofrendo
constantes mudanças através da edição de medidas provisórias. Neste sentido, é
preciso salientar que MPs são normas elaboradas unicamente pelo poder
executivo, sem qualquer discussão de conteúdo. Trata-se na verdade, da vontade
política, do presidente, positivada em norma jurídica. É fato que após o envio
do texto ao Congresso Nacional, ele estará aberto a discussão na comissão que
analisará a matéria, todavia, as mudanças necessárias podem já não mais surtir
efeitos, isto porque a medida provisória e norma de aplicação imediata.
No ano passado, o governo optou por mudar a política de concessões do
serviço de energia elétrica através da edição de MPs. A MP 579/12 propôs que as
concessões em vigências fossem antecipadas e que a nova concessão fosse instituída
com novas regras de remuneração. Entre outras medidas, o serviço de geração
passou a ter uma tarifa fixada de acordo com cada usina, contemplando apenas
custos de operação e manutenção. As tarifas de distribuição ficaram mais
baratas em razão da diminuição dos custos de geração, do fim de alguns encargos
setoriais e da redução de impostos.
O que parecia ser a solução para o problema da ‘energia cara’ introduziu
novas e imensas questões no setor elétrico e na economia brasileira. Os geradores
estão enfrentando dificuldades para se manter no mercado, já que a atual
política remuneratória, retira e muito o lucro dos empresários; as
distribuidoras tiveram que recorrer a empréstimos via BNDES, para conseguir
continuar cobrando tarifas mais baixas do consumidor; o encargo da Conta de
Desenvolvimento Energético (CDE) ganhou enorme elasticidade e também terá que ser
utilizado para compensação financeira das concessões que não foram renovadas; o
tesouro teve que fazer enormes aportes no setor, o que possivelmente acarretará
um problema inflacionário nos anos vindouros.
Dentre as medidas e impactos da referida MP, uma delas contrariou as
expectativas do mercado. A energia elétrica no Brasil é comercializada em dois
ambientes: o mercado regulado (ACR) em que a energia é vendida sob o preço de
tarifas fixadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o mercado
livre (ACL), em que a energia é negociada livremente entre as partes e que o
preço observa uma “espécie de indicador” de mercado, o Preço de Liquidação de
Diferença (PLD).
A MP 579/12 que posteriormente foi convertida na da Lei 12.783/12, fez
com que a energia negociada no ambiente livre deixasse de ser tão atrativa
economicamente, já que a energia das usinas com concessões renovadas, e exatamente
por isto mais barata, foi totalmente destinada ao ambiente regulado.
Desta forma, há uma quantidade
menor de energia física sendo negociada no mercado livre, e esta energia está
sendo comercializada por preços mais elevados. Este cenário parecia indicar que
haveria uma diminuição do mercado livre. Todavia, a Câmara de Comercialização
de Energia Elétrica (CCEE) aprovou no dia 20/5 a adesão de treze novas empresas
em seu quadro de associados. Com a entrada desses membros, a instituição passa
a contar com 2.504 agentes.
O ingresso de novos players
contraria a expectativa do mercado, a grande questão é
entender o porque deste crescimento no ambiente livre, mesmo com todas as
sinalizações regulatórias indicando para um recrudescimento.
Em grande parte as
novas migrações para o ACL se devem ao fato de que a energia comercializada
neste ambiente está sendo comercializada a um preço melhor, mais elevado. Nos
meses de janeiro a março o PLD variou em torno de R$300.Assim, como o gerador
não está tendo lucro nas concessões renovadas e o preço pago a titulo de tarifa
prêmio nos leilões também é baixo, em torno de R$150 mw/h, tem sido mais
rentável comercializar a energia gerada no mercado livre. Esta é a lógica válida para os geradores.
Mas e para os
consumidores do mercado livre? Eles preferem pagar um preço mais caro? Não. A
vantagem para estes consumidores é que eles podem comprar a energia de acordo
com seu perfil de consumo, inclusive variando as cargas que desejam comprar, em
um curto prazo de tempo. Além disso, apesar do preço ser variável e de
atualmente estar elevado, nas negociações de longo prazo, consegue-se obter um
PLD mais barato, próximo ou abaixo da tarifa paga, no mercado regulado.
Outra vantagem, que
vale tanto para consumidores quanto para geradores é o fato de a Câmara de
Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), no novo modelo de garantias
financeiras, agir como gestora de contratos, suspendendo da negociação dos
agentes inadimplentes o que torna a negociação mais segura.
Como
se vê este é um exemplo de que nem sempre as decisões políticas surtem o efeito
desejado. Neste caso, o mercado demonstrou ser mais forte do que a regulação. Com
isto, o mercado livre provou que mesmo com todos os desincentivos regulatórios
que vêm recebendo, desde o ano passado, já está maduro, consolidado, no país. Tanto
que não teve uma diminuição de agentes negociadores, mas ao contrário elevou o
seu número.
Assim,
os agentes do setor elétrico tem procurado a melhor remuneração para os seus
investimentos e provavelmente, no futuro, ocorrerá exatamente o efeito
contrário, ao desejado pelo governo, já que haverá cada vez menos investidores
interessados em participar dos leilões. E aí novamente será necessário mudar a
regulação. Espera-se que as próximas mudanças não sejam feitas por MPs, mas,
sim, através da discussão com os agentes que atuam no setor. Do contrário a
regulação será “letra morta” e mais uma vez os agentes atuarão conforme as
regras de mercado, procurando opções mais rentáveis.
*Escrito
por Isabela Vargas, advogada, especialista em regulação.
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