domingo, 15 de dezembro de 2013

Invenção da Internet e a Informação Franqueada.


Em 1969, mesmo ano em que o homem chegou à Lua, dois grupos de nerds situados, respectivamente, na Universidade da Califórnia, em Los Angeles (UCLA), e no Stanford Research Institute (SRI), em São Francisco, conseguiram fazer com que seus computadores falassem entre si. Na época, quase ninguém deu o devido valor a esta proeza; e assim, enquanto a ida à Lua monopolizava as manchetes, o nascimento da Internet passava em brancas nuvens.

O evento, convenhamos, deixou muito a desejar em termos de marketing; e, como espetáculo, não chegou a ser um sucesso. Os primeiros caracteres enviados por um computador a outro foram L, O e G, de LOGIN. O I e o N ficaram de fora porque, antes que se pudesse digitá-los, o sistema caiu. Em menos de 30 anos, porém, o mundo estaria radicalmente mudado graças àqueles improváveis heróis e suas máquinas maravilhosas. Ainda assim, foram necessárias mais de duas décadas, e o surgimento de uma interface de figurinhas com nome chique – World Wide Web – para que a rede se tornasse, enfim, um elemento de cultura de massa. Até a invenção da Web, em princípios dos anos 90, e o lançamento do proto-browser Mosaic, em 1993, a rede era considerada, pelas poucas pessoas de fora que sabiam de sua existência, uma simples ferramenta acadêmica – ou, na melhor das hipóteses, um passatempo de nerds, geeks e outros bichos de nome alienígena.
 
 

A World Wide Web, também conhecida como Web, WWW ou W3, é apenas uma de várias formas de acesso à informação contida na Internet – mas se difundiu de forma tão espetacular que, para boa parte dos usuários, é confundida com a própria rede. Inventada pelo inglês Tim Berners-Lee no CERN, um instituto de pesquisas franco-suíço, ela se resume, basicamente, a quatro letras conhecidíssimas: HTTP, de HyperText Transfer Protocol, ou protocolo de transferência de hipertexto. Trocando em miúdos, um padrão universalmente reconhecido, que possibilita a troca de documentos de todos os tipos por máquinas de qualquer espécie, sem distinção de cor, credo ou plataforma. A sua combinação com o browser, programa que permite a visualização de textos e imagens através de uma navegação simples, tocada a cliques de mouse, foi, como bem sabemos, nitroglicerina pura. E o resto é História.  
 
Hoje, quando reclamamos que não estamos conseguindo conexão, e rogamos pragas sobre a Telemar, a Embratel e os provedores, com a plena – e justa – consciência de que um computador desconectado não passa de uma patética caixa aleijada, é difícil imaginar que houve um tempo em que, não só as coisas não eram bem assim, como sequer se percebia que assim deveriam ser.
 
É por isso que somos todos, usuários, devedores eternos de um psicólogo nascido em 1915 chamado Joseph Carl Robnett Licklider. Professor do MIT, Lick – como era conhecido – estava longe de ser o psicólogo típico do seu tempo; ou, aliás, de qualquer tempo.
 
Formado também em física e matemática, apaixonado por química, artes plásticas e aeromodelismo, Licklider gostava, particularmente, de umas máquinas de calcular gigantescas que, nos anos 50, começavam a brotar no cenário americano sob a alcunha de computadores.
 
De tanto brincar com elas como não-especialista, Lick foi a primeira pessoa a intuir que, um dia, aqueles mostrengos poderiam se transformar em extensões do cérebro humano. Em 1960, publicou as suas ideias sobre o assunto em Simbiose Homem-Computador – e nada foi mais como antes.
 
O trabalho teve um impacto incalculável sobre os cientistas de computador da época e, de quebra, transformou o autor, definitivamente, num deles. Dois anos depois, ele era convocado pela ARPA – Advanced Research Project Agency –, a poderosa agência central de pesquisa e desenvolvimento do Governo americano, com carta branca para inventar novas funções para as máquinas, então restritas a cálculos elementares e pouco criativos. Naquele tempo, os poucos computadores que existiam falavam, cada qual, a sua própria língua, e obedeciam ao seu próprio grupo de comandos. Ainda não havia passado pela cabeça de ninguém criar qualquer padrão, até porque não havia necessidade disso.

Mas Licklider, com excelente trânsito pelos centros de pesquisa universitários, começou a espalhar ideias radicais entre estudantes e professores: por que não desenvolver padrões universais, que pudessem ser utilizados por todas as máquinas? E por que não dar às máquinas condições de comunicação umas com as outras? 
 
Estavam lançadas aí as sementes da Grande Revolução, que logo foram cultivadas, com extraordinário sucesso, por pioneiros como Bob Taylor e Larry Roberts, que pensaram os primeiros projetos de redes; Paul Baran, que criou o conceito das redes distribuídas, em que as máquinas estão interligadas entre si, independentes de um computador central – base da flexibilidade e da virtual indestrutibilidade da Internet; Donald Davies, que encontrou um jeitinho de partir os dados transmitidos em pacotes; Frank Heart, que deu o pontapé inicial no conceito dos roteadores; e mais Wes Clark, e Jon Postel, e Len Kleinrock... a lista vai longe. Mas, deles todos, quem acabou conhecido como o pai da Internet foi Vint Cerf que, com Bob Kahn, apresentou, em 1974, um protocolo conhecido como TCP, – mais tarde TCP/IP –, sem o qual a Internet – a união de diversas redes – jamais existiria.
 
O TCP é o padrão que permite a comunicação de diferentes redes; e Cerf fez mais jus à paternidade da rede do que Kahn porque, além de desenvolver o padrão, inteiramente aberto, lutou com todas as forças para que ele prevalecesse sobre os padrões proprietários que, então, começavam a pôr as manguinhas de fora. Como todos os pioneiros da rede, Vint Cerf sabia que ela só daria certo se estivesse baseada num sistema aberto, ou seja: num padrão único, gratuito, à disposição de todos. Caso contrário, centenas de empresas criariam, cada qual, o seu próprio padrão, numa babel em que a ganância só seria superada pelo desserviço ao usuário.
 
A primeira das muitas redes que viriam a formar a Grande Rede que conhecemos atualmente foi, justamente, aquela nascida da conexão entre as máquinas da UCLA e do SRI: a Arpanet. Depois apareceram outras: Bitnet, Usenet, CSNet, Span, CDNet... O termo Internet começou a ser usado, para valer, em meados dos anos 80, mais exatamente a partir de 1983, quando o TCP/IP foi adotado urbi et orbe. E, em 1989, a Arpanet deixou, oficialmente, de existir como tal.
 
Em outras palavras, terminou, aí, o grosso do subsídio governamental à rede. Estava dada a largada para o que se chamava, então, Internet comercial. O termo que, hoje, nos parece um pleonasmo, era, naquele tempo, quase uma heresia: rodando nas universidades e nos laboratórios de pesquisa, à disposição de quem tivesse acesso a uma senha e às máquinas locais, a Internet era considerada livre e sagrada como o ar. Que alguém ousasse cobrar por isso, ou usar tão sublime meio de comunicação com intenções mercantilistas, era simplesmente monstruoso.
 
Esse espírito prevalecia de tal maneira que mesmo o trabalho que se fazia pela rede era considerado um privilégio, ou uma espécie de hobby remunerado.
 
Nenhum dos pioneiros enriqueceu com a sua invenção. Com exceção de Vint Cerf, que foi para a MCI e se tornou, até por força do seu trabalho de evangelização tecnológica, uma personagem mais high-profile, os outros continuaram suas carreiras em universidades e centros de pesquisa. Marc Andreessen, que criou o Mosaic, e depois o Netscape, a partir do protótipo de browser do CERN, foi o primeiro milionário com fama de pop star da rede. Mas Tim Berners-Lee, o discreto gênio de Genebra, hoje no MIT, não se arrepende de não ter patenteado a sua invenção. Ele prefere a sensação de realização que sente ao ver a Web crescendo sem barreiras a uma montanha de dinheiro no banco.
 
Fonte: RÓNAI, Cora. Internet, a informação franqueada. O Globo. Rio de Janeiro