quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Aumento dos juros nos EUA

Como a decisão sobre o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos afeta o Brasil e o seu bolso?
Os Estados Unidos são considerados a economia mais segura do mundo. Um aumento da taxa de juros lá, ainda que mínimo, tem a capacidade de tirar recursos investidos em outros países e levar esse dinheiro para aquele país, provocando uma desvalorização das moedas. Com menos dólares no Brasil, por exemplo, o real fica mais fraco e o dólar sobe.
Para Alberto Felix de Oliveira Neto, responsável pela Tesouraria do Banco Máxima, o mundo considera os Estados Unidos uma economia livre de riscos e há uma tendência de que os recursos migrem para lá quando a taxa de juros aumenta.
"O reflexo disso seria um aumento na taxa de juros nos outros países, além da fuga de capitais em direção aos Estados Unidos, valorização do dólar e depreciação das demais moedas", diz.
Esse é, em resumo, o motivo pelo qual os países do mundo todo se preocupam com a reunião do Fed, o banco central americano.

Brasil deve sofrer mais

No caso do Brasil, a preocupação é ainda maior, pois a situação econômica e política interna está extremamente conturbada. Nesta quarta-feira (16), o Brasil sofreu a segunda perda do grau de investimento, dessa vez pela agência classificadora de risco Fitch.
"Estamos vivendo a tempestade perfeita: grave crise política, desemprego, inflação, juros e dólar em alta e rebaixamento do país", diz Mauro Calil, especialista em investimentos do banco Ourinvest.
Por isso, segundo ele, fatores externos como a possibilidade de alta da taxa de juros nos EUA agravariam ainda mais essa crise, pressionando a taxa de câmbio e a inflação.
A agência de classificação de risco Moody's afirma que o Brasil é um dos países emergentes que mais devem sofrer com a alta de juros dos EUA.
Para Clodoir Vieira, professor de finanças do Centro Universitário Senac, outra consequência imediata do aumento da taxa de juros americana seria o aumento dos custos para as empresas brasileiras que têm necessidade de buscar recursos no exterior para se financiar. "Elas terão de pagar mais caro em função de tudo isso", diz.

Como isso afeta a vida das pessoas?

Para Vieira, a alta dos juros nos Estados Unidos não afeta diretamente a vida das pessoas, mas indiretamente todos acabam sendo atingidos.
"As empresas vão repassar os custos mais elevados de captação do dinheiro. Além disso, provavelmente o dólar deve voltar a subir", diz.

O que fazer com os investimentos?

A recomendação unânime dos especialistas é que as pessoas mantenham o dinheiro na renda fixa, como Tesouro Direto e fundos de investimento com taxas de administração de até 1% ao ano.
"Aconselho a investir tanto em títulos atrelados à inflação, pois poderemos continuar tendo anos de inflação elevada, como títulos pós-fixados atrelados à Selic", diz Oliveira Neto.
Clodoir Vieira diz que a Bolsa é um investimento a ser evitado por pessoas que não tenham conhecimento nesse momento. "É só para quem tem fôlego para aguentar um período de pelo menos três anos e quem realmente tem apetite por risco, pois a renda fixa está pagando muito bem."

E o dólar?

Para Nicola Tingas, economista da Acrefi (Associação Nacional das Instituições de Crédito, Financiamento e Investimento), os mercados já esperavam o aumento da taxa de juros nos Estados Unidos, e o real não deve sofrer uma desvalorização muito maior apenas por esse motivo.
"Nesta hora em que subiram os juros, podemos ter espasmos de mercado de um ou dois dias, pois as tesourarias vão ajustar suas posições. Acredito que muito mais impactante para o dólar é o rebaixamento do grau de risco", diz. "Nossa situação interna pesa bem mais."
Para Mauro Calil, no entanto, há possibilidade de o dólar ultrapassar rapidamente a casa dos R$ 4,50.
A orientação dos especialistas para quem precisa da moeda se divide. Para Mauro Calil, quem precisa da moeda deve comprar tudo de uma vez.
Tingas aconselha a ir comprando aos poucos, para fazer um preço médio.
Todos recomendam, no entanto, a não especular com a moeda. "O mercado não está para amador", diz Tingas. "O melhor que as pessoas têm a fazer agora é cuidar do dinheiro centavo por centavo, fazer bom uso dele."
Fonte: Uol Economia

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

A Tecnologia e a Abertura para o Novo

Dizem que nosso defeito é sempre nossa maior qualidade. E isso se passa também com a internet. Não precisamos abordar nem enfatizar tudo o que ela trouxe de bom para o mundo e a sociedade: a onisciência da democratização do conhecimento, a onipotência de poder se expressar e ser descoberto em nossos talentos e a onipresença por nos comunicarmos com qualquer pessoa do planeta em qualquer idioma.

 O surgimento da internet pode ser considerado um dos grandes marcos da evolução humana se pensarmos que ela se processa de maneira democrática e ecumênica. Todas as revoluções anteriores se deram de cima para baixo, privilégio inicial de poucos, e agora é o contrário. Quanto mais inacessível for a região e quanto mais pobre for a pessoa, mais a internet impacta e muda sua vida.
 Mas o importante é manter uma visão crítica e analisar também seus problemas, questionamentos sociológicos preocupantes que a internet trouxe e que geram desafios para todos nós pelo que isso pode representar de risco para as próximas gerações. Estou me referindo ao plano da aceitação das diferenças, da abertura ao contraditório e da busca da harmonia entre indivíduos e grupos sociais. Vamos analisar por quê.
Quando as mídias eram de massa, havia um constante confronto com o contraditório. Nós tropeçávamos o tempo inteiro em algo com o qual não concordávamos ou não gostávamos. Lembro-me até hoje de que meu pai assistia, aos domingos pela manhã, a um programa de TV com concertos de música erudita e lá ficava eu, ainda pequeno, na sala meio a contragosto ouvindo também. Outras vezes, alguém na família ouvia um programa de rádio com viés de esquerda e, por mais que não concordássemos com as ideias, lá ficávamos nós ouvindo teses diferentes das de nossas crenças. Com isso, éramos o tempo todo expostos a temas e assuntos que jamais escolheríamos ir atrás, mas eles iam atrás da gente.
 A consequência era que, sem querer, ouvíamos pessoas ou manifestações artísticas que não tinham nada a ver conosco e que, se dependesse de nossa vontade, jamais teriam nossa atenção. Como resultado dessa obrigatoriedade plural, tornávamo-nos pessoas mais abertas, e muitas vezes o argumento contrário às nossas verdades acabava nos convencendo e até mudávamos de ideia em função disso.
 A realidade da internet e das mídias sociais mudou tudo. Passamos a nos segmentar, tornamo-nos sectários em nossas vontades e opções na busca de entretenimento e de informação. Hoje, só seguimos quem concorda com nossas ideias, só assistimos àquilo que vai ao encontro de nossas crenças, só dedicamos tempo ao que já nos interessa, sem nenhuma chance para o novo, o contraditório, o diferente.
 Segundo Frédéric Martel, autor francês do livro Smart, a internet se caracteriza mais por sua fragmentação que pela globalização. Estamos nos tornando cada vez mais fechados naquilo de que gostamos e acreditamos, vivendo em guetos e tribos temáticas que impermeabilizam nossa alma e nossa cabeça. Se em um canal de TV ou jornal somos expostos a uma infinidade de matérias e notícias na qual a priori não estamos interessados, mas ao tropeçar nela criamos novos interesses, nas mídias sociais se dá o contrário, vamos fechando o funil de opções, seguindo e sendo seguidos só naquilo em que cremos e apreciamos, sem chance para o inédito, o contrário, o diferente.
 Essa visão redutora e sectária cria uma nova geração de seres mais dogmáticos e cheios de certeza, pessoas que acham que sabem o que querem e não querem saber o que não sabem. E pior, não respeitando ou desprezando os que porventura pensem diferente, acreditem em teses adversas ou cultuem prazeres distintos.
 O resultado disso é que, enquanto a sociedade exige de nós cada vez mais a aceitação das diferenças, sejam elas religiosas, políticas, sexuais, raciais ou comportamentais, estamos indo cada vez mais para a direção contrária. Ao não ouvir o outro lado, ficamos só no nosso conforto de confirmações frequentes, fechando olhos e ouvidos para quaisquer outros argumentos que contradigam nossas crenças e desejos pessoais.
 A maciça utilização de algoritmos parece agudizar ainda mais esse fenômeno das tribos, castas e estamentos na internet. Basta ouvir por três dias jazz no Spotify para que ele defina e personalize seu gosto e, a partir daí, ofereça apenas esse tipo de gênero musical, por mais que você seja pluralista em matéria de entretenimento auditivo. E o mesmo ocorre com as recomendações da Amazon ou da Netflix. Com o domínio dos algoritmos, nosso comportamento passado nos incentiva ao reducionismo futuro.
 É difícil prever aonde isso tudo vai nos levar como civilização. Mas uma coisa é certa: o caminho da tolerância passa pela pluralidade e abertura mental, pela capacidade de quebrar paradigmas e rever certezas. Não é para onde a tecnologia e a sociedade parecem estar caminhando no momento. E precisamos rapidamente alterar esse estado de coisas.


Redigido por Walter Longo.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Volkswagen: tecnologia para contaminar sem deixar rastros

Como a montadora alemã criou motores que simulam ser ecológicos em testes, mas emitem, nas ruas, quarenta vezes mais poluentes

Volskwagen
Revendedora da Volkswagen em Berlim, em 22 de setembro: o escândalo abala a montadora e pode ser só a ponta do iceberg
No mundo mágico da publicidade, os automóveis são tão inofensivos e contemporâneos como era o tabaco, há quinze anos. Os motoristas deslizam por ruas e avenidas sempre vazias. Dirigir nas cidades é relaxante e aprazível. Os carros oferecem potência a seus condutores, mas os convertem, ao mesmo tempo, em defensores da natureza. Porque os motores, tecnologicamente muito avançados, adequam-se a todas as normas de proteção ambientais. Há uma semana, mais um sustentáculo desta narrativa infantilizante está desmoronando.
Descobriu-se que a Volkswagen, segunda maior empresa global em seu ramo, não emprega a tecnologia para aperfeiçoar seus produtos, mas para criar a ilusão de que são bons.
Pelo menos onze milhões de motores da marca foram programados para simular, quando submetidos a testes, que emitem entre cinco e quarenta vezes menos poluentes que em condições de tráfego.
O artifício – uma espécie de malandragem high-tech, com sotaque alemão – permitiu até agora burlar as normas que deveriam inibir a emissão de um composto altamente nocivo, tanto para o equilíbrio climático quanto para a saúde humana. A Volkswagen – cujo presidente mundial acaba de renunciar, numa tentativa de encerrar o caso oferecendo ao público um bode expiatório – não está sozinha. Tudo indica que a indústria automobilística pratica, de modo generalizado, fraudes deste tipo.
Os fatos começaram a vir à tona na sexta-feira 18. A Agência de Proteção Ambiental (EPA, em inglês) norte-americana, anunciou ter descoberto que o motor EA189 a Diesel, utilizado em carros de passeio pela Volks, Audi e possivelmente outras das nove empresas do grupo (composto também por Porsche, Seat, Skoda, Bentley, Lamborghini e Bugatti) estão equipados com um software que lhes permite, em condições de teste de poluição, emitir níveis abruptamente reduzidos de óxidos de nitrogênio.
Este grupo de compostos gasosos destaca-se, entre as dezenas de contaminantes emitidos pelos motores a explosão, por contribuir de modo especialmente intenso para o aquecimento global, e por favorecer o surgimento de doenças respiratórias como asma, bronquite e mesmo enfizema.
A descoberta foi feita de modo involuntário, quase por acidente – o que reforça a hipótese de que fraudes semelhantes sejam comuns. Há meses, o pequeno braço norte-americano de uma OnG europeia que reivindica automóveis menos poluentes (o Conselho Internacional para Transporte Limpoverificou que, nas estradas, os carros equipados com o EA189 emitiam entre cinco e quarenta vezes mais óxidos de nitrogênio que nos testes certificados pela EPA.
Imaginando que se tratasse de uma falha ocasional nos motores testados, a OnG pediu que a EPA submetesse os propulsores a novos testes. Surpresa: em condições de laboratório, os motores voltaram a aparentar emissões reduzidas. A disparidade extrema entre os resultados levou a uma investigação mais profunda. Ela constatou: o EA 189 é capaz de detectar que está sendo submetido a testes. Nestas condições, funciona em regime de baixa emissão.
Mas é então, poluindo descontroladamente, que realiza o que a propaganda da Volkswagen promete: ser um motor Diesel econômico, porém potente, de alto torque, capaz de proporcionar velocidade e arrancadas. Viril, portanto. Nestas condições, é como se o EA189 resolvesse um dos grandes dramas da alma humana imersa no capitalismo: ele permite desejar potência sem limites, em meio a um planeta finito. Mas atenção: só no modo carochinha, de realidade virtual…
Será uma obsessão restrita à germânica Volkswagen? Tudo indica que não. O escândalo atual é, provavelmente, “a ponta de um iceberg”, diz o site Business Insider. Fraudes idênticas podem ocorrer também com motores a gasolina, completa The Guardian.
Martin Winterkorn
Martin Winterkorn, o CEO da Volks: bode expiatório (Foto: Kaiketsu / Wikimedia Commons)
As regras e checagens, supostamente “rigorosas”, que deveriam limitar os efeitos devastadores da indústria automobilística são frouxas. As norte-americanas, consideradas as mais severas do mundo, foram facilmente dribladas pelo software da Volkswagen. Na Europa, burlá-las é ainda mais fácil, conta Greg Archer, líder do thinktank britânico Transport and Environmentsobre veículos limpos.
No Velho Continente, explica ele, os testes são feitos apenas em protótipos, antes de os carros serem produzidos em massa; e por empresas pagas pela própria indústria automobilística. Não surpreende que sempre aprovem os carros. Seria conveniente perguntar: e no Brasil?
A descoberta das fraudes da Volkswagen produziu um pequeno terremoto financeiro. O valor de mercado da empresa – considerada um pilar da economia alemã – reduziu-se em um terço, em apenas quatro dias. Mas tudo indica, reconhece a própria revista Economist, pró-capitalista, que a maior parte das montadoras globais de automóveis promove manipulações idênticas às da VW.
Foi certamente esta consciência – e o medo de futuras revelações – que provocaram, na terça-feira 22, desvalorizações expressivas nas ações da Renault (-4%), Peugeot (-2,5%), Nissan (-2,5%) e BMW (-1,5%).
Os amantes brasileiros da indústria automobilística podem, ainda assim, dormir despreocupados. Embora o escândalo tenha estourado há cinco dias e ocupe deste então muitas páginas, em dezenas de jornais em todo o mundo, nem Folha, Globo ou Estadão haviam dedicado uma linha ao tema até esta tarde – quando ele tornou-se obrigatório devido a renúncia de Martin Winterkorn, presidente da Volks.
Agora, os três diários brasileiros mais vendidos, assim como as revistas e TVs aceitam sem críticas a versão segundo a qual tudo se passou de um erro pessoal de Winterkorn. Ao avaliar o volume de publicidade da indústria automobilística nestes meios, você certamente compreenderá as razõe$

Fonte: http://www.cartacapital.com.br/
.