sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Questionar velhos conceitos abre caminho para a inovação


Ao desafiar o antigo conceito de que o compressor de refrigeração é aquela bola preta que fica atrás das geladeiras e simplesmente distribui o gás refrigerado da mesma forma desde o início do século passado, a Embraco S.A. colocou-se na dianteira do setor. Segunda empresa em número de patentes requeridas no Brasil, a empresa acaba de lançar o Wisemotion, o primeiro compressor sem óleo, mais eficiente em consumo de energia e que promete ainda revolucionar o design das geladeiras.


Nem sempre foi assim. A Embraco foi fundada em Joinville (SC), em 1971, para produzir compressores com tecnologia europeia para as fábricas brasileiras de refrigeradores Brastemp e Consul. Em 1976, a dona da Brastemp, a Brasmotor, assumiu o controle da Consul e da Embraco, criando a Multibrás. Rapidamente a Embraco concluiu que seria apenas um fornecedor cativo do grupo se não conquistasse outros compradores e desenvolvesse suas próprias pesquisas. É a diferença entre know how e know why, explica o presidente da Embraco, Roberto Campos, que trabalha na empresa há 27 anos e passou por diversos setores da companhia.

Em 1997, a gigante americana de eletrodomésticos Whirlpool comprou o controle da Brasmotor e da Multibrás e, na virada do milênio, absorveu todas as ações do grupo brasileiro. A estratégia da Embraco foi preservada após a compra pela Whirlpool de modo que a empresa manteve a gestão independente e uma política de blindagem que garante o sigilo de informações, protegendo o seu negócio e o de seus clientes, inclusive de concorrentes da Whirlpool.

A preocupação em desenvolver seus próprios produtos garantiu o futuro da Embraco. Em busca de tecnologia na área de refrigeração, bateu na porta de centros de pesquisa brasileiros e encontrou boa receptividade na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de Florianópolis (SC), com a qual estabeleceu um convênio. O casamento já dura 32 anos e surpreende por envolver uma empresa privada e uma universidade pública, com apoio do governo por meio de mecanismos de financiamento como a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).  

Como resultado do convênio, foi erguido um centro de pesquisa em refrigeração e termofísica Polo, de cinco andares, com recursos da Embraco, da UFSC e da Finep, para abrigar os pesquisadores envolvidos no projeto. São cerca de 200 pessoas entre professores, alunos, mestrandos e doutorandos cujos salários e benefícios são custeados parcialmente pela Embraco. Cerca de 60% dos profissionais de pesquisa e desenvolvimento da Embraco foram formados na UFSC, que também é fonte de mão de obra especializada de outras empresas brasileiras. 

Com o sucesso da parceria com a UFSC, a Embraco passou a fazer contato com dezenas de universidades nos Estados Unidos, Europa e Ásia para diferentes áreas como motores e válvulas, englobando cerca de 40 laboratórios. A empresa possui centro de pesquisa e desenvolvimento não só no Brasil, mas também na China e na Eslováquia, além de equipes de engenheiros na Itália e no México. No total, são 500 pessoas dedicadas à pesquisa e desenvolvimento, número equivalente a um quarto do pessoal administrativo empregado pela empresa no mundo todo.

Ruptura

Como resultado do investimento em pesquisa e desenvolvimento, já na década de 1980, a Embraco passou a utilizar em seus produtos gases refrigerantes alternativos aos clorofluorcarbonos (CFC), que não prejudicam a camada de ozônio. Ainda hoje, busca novas soluções de menor impacto ao ambiente, como os gases refrigerantes naturais, oferecendo soluções tanto para a refrigeração comercial, com o propano, como para a doméstica, com o isobutano. Esses gases, além de inofensivos à camada de ozônio, têm impacto praticamente nulo no aquecimento global. Usa ainda, há mais de 20 anos, sistemas com refrigerantes hidrocarbonetos que apresentam menor consumo energético quando comparados aos fluídos sintéticos. 

Em 1998, a Embraco lançou a primeira inovação significativa com o compressor de velocidade variável Fullmotion, um avanço em relação aos modelos de velocidade fixa então existentes, permitindo uma economia de até 40% de energia porque percebe automaticamente se o sistema está precisando de mais ou menos refrigeração, com melhor preservação dos alimentos e maior eficiência, evitando desperdício e reduzindo o ruído produzido. Isso é importante porque o gasto com refrigeração representa de 15% a 30% da conta de luz de uma residência. O Fullmotion também reduziu em até dois decibéis o ruído produzido pelo refrigerador. 


Desde o lançamento em 1998, mais de 11 milhões de compressores Fullmotion foram vendidos no mundo. A empresa estima que o Fullmotion possibilitou uma economia de 2,7 mil GWh, o equivalente ao consumo de energia elétrica da população de Roma, durante seis meses, em comparação com a tecnologia até então utilizada. Em 2013, a Embraco anunciou a ampliação em cerca de 140% da produção global da terceira geração de compressores desse tipo, com a ampliação das fábricas na Itália e na China para atendimento dos mercados europeus e asiáticos. 

No ano passado, mais um passo importante foi dado com o lançamento do Wisemotion, que é 15% ainda mais eficiente do que o Fullmotion em consumo de energia e Campos define como breakthrough por representar não apenas um aperfeiçoamento, mas uma verdadeira ruptura no setor. 

O Wisemotion dispensa o uso de óleo para a lubrificação, função que é desempenha pelo próprio gás refrigerante. Por não usar óleo, o compressor pode ser instalado dentro ou fora do sistema de refrigeração. Essa inovação permite a instalação do compressor em qualquer posição, dentro ou fora do sistema, dando liberdade total aos projetistas de geladeiras. Pelo mesmo motivo, o refrigerador pode ser transportado em qualquer posição, com implicações logísticas importantes. 

O novo compressor também é mais leve, exige metade da matéria-prima e 20% menos carga de gás refrigerante do que o modelo convencional, além de proporcionar variações mínimas de temperatura dentro do refrigerador, o que diminui o desperdício de alimentos. O compressor da Embraco pesa em média 5,8 quilos e já chegou a 7,2 quilos. Alguns dos aperfeiçoamentos introduzidos permitiram a redução do ruído produzido pelo equipamento em até 10 decibéis, o que amplia as possibilidades de colocação da geladeira em vários espaços da residência.


  
Sigilo

O Wisemotion levou dez anos para ser desenvolvido e foi resultado das pesquisas realizadas no Brasil, com a colaboração da Fisher & Paykel, empresa da Nova Zelândia que é cliente da Embraco desde 2005. Os últimos passos para que se tornasse uma realidade foram envoltos em austero sigilo. Quem tinha acesso ao projeto, assinava um termo de confidencialidade. Segundo Campos, o projeto envolveu cerca de 80 inovações – e, portanto, 80 pedidos de patentes – entre soluções, “sacadas”, componentes, sistemas e novos materiais. No total, a Embraco tem cerca de 1,5 mil patentes – é a segunda empresa brasileira em número de patentes depois da Petrobras. 

O novo compressor será produzido inicialmente no México e destinado ao mercado americano. No futuro, também será usado na refrigeração industrial. A Embraco possui também escritórios e fábrica na China, na Eslováquia e na Itália e escritório na Rússia. Somando todas as unidades, a empresa produz 37 milhões de compressores por ano, um quarto da produção global, vendidos em 80 países.
O modelo Fullmotion ganhou inovações também em 2014, com  versão VEGD, que consome menos 5% de energia que o antecessor (VEGZ) e menos 5 decibéis de ruído, e foi desenho para o mercado americano. Outro lançamento recente é o do FFU, produzido no Brasil e destinado ao uso comercial, compressor que pode ser usado em expositores verticais de bebidas, freezers horizontais com tampas de vidro ou sólidas, que trabalha com temperatura de -35º C a 0º C e economiza 9% de energia. Também na linha comercial, há o compressor NEU, fabricado na Eslováquia, que se caracteriza pela robustez. 

A Embraco não informa quanto investe em pesquisa e desenvolvimento, limitando-se a dizer que a quantia é equivalente a 3% a 4% da receita líquida anual. A empresa busca também estimular a inovação fora da empresa. Em 2013, patrocinou o projeto “Talentos Catarinenses”, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina (Fapesc) e a Whirlpool Latin America, permitindo que mestrandos e doutorandos desenvolvam teses dentro das empresas parceiras. 

Desde 2011, o Embraco Innovation Award incentiva estudantes e pesquisadores chineses a desenvolver soluções de refrigeração com alta eficiência energética. Na mais recente etapa, 57 projetos de estudantes e profissionais foram recebidos e, analisados por 30 especialistas, nenhum apresentou qualidade técnica suficiente para receber a premiação. Por isso, o valor do prêmio foi destinado ao desenvolvimento de protótipos e aperfeiçoamento de pesquisas.


De olho nas tendências

O planejamento tecnológico da Embraco também é um elemento importante para explicar o desenvolvimento do Wisemotion, que cai com uma luva na tendência atual de residências de área limitada e com espaços integrados, e com a crescente preocupação do consumidor com o uso racional dos recursos naturais como água e energia. 


A cada três anos, a empresa faz ampla pesquisa sobre todos os fatores que podem afetar o negócio de compressores, como a refrigeração e geração de frio, conforto das pessoas de um modo geral, incluindo o térmico, qualidade de vida, padrões de nível de ruído, tendência de consumo de energia, evolução do tamanho das moradias, hábitos de consumo, variação da renda, envelhecimento da população e evolução da educação, entre outras informações. 

Para isso são entrevistadas cerca de 500 pessoas, entre especialistas de diferentes áreas, clientes, clientes dos cliente, consumidores e competidores. As informações são analisadas com o objetivo de se identificar as principais tendências em um horizonte de cinco a dez anos. A Embraco avalia então como essas tendências influenciam o seu negócio, quais produtos podem atender a demanda, o que precisa ser desenvolvido, os conhecimentos que devem ser adquiridos para isso e os novos contratos que devem ser feitos. Nas palavras de Campos, todas as informações são colocadas em um grande funil, que vai direcionar o portfólio de projetos futuros. 

Entre os alvos de pesquisa da Embraco não escapa até o possível fim do próprio compressor, ou seja, sua substituição por uma eventual nova tecnologia, como o magnetocalórico, que usa o magnetismo para a refrigeração. Campos não considera o magnetocalórico uma ameaça real, mas acha que a Embraco tem que estar envolvida até no descobrimento de um eventual concorrente do compressor. 

Fonte: Harvard Business Review

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