quarta-feira, 5 de junho de 2013

QUANDO O MERCADO É MAIS FORTE QUE A REGULAÇÃO





O setor de energia elétrica é conhecido por ser extremamente técnico, todavia, pouco se comenta sobre a influência política nas principais decisões setoriais. Inicialmente é preciso dizer que no Brasil a energia elétrica teve seu inicio através da prestação de serviço realizada diretamente pelo poder público e mesmo com seguidas privatizações, ainda hoje a Eletrobras exerce grande influência nos segmentos de geração, transmissão e distribuição. Contudo, a prestação do serviço executada diretamente pelo poder público não justifica a ingerência política no setor.

Desde 2002, o modelo regulatório aplicado ao setor vem sofrendo constantes mudanças através da edição de medidas provisórias. Neste sentido, é preciso salientar que MPs são normas elaboradas unicamente pelo poder executivo, sem qualquer discussão de conteúdo. Trata-se na verdade, da vontade política, do presidente, positivada em norma jurídica. É fato que após o envio do texto ao Congresso Nacional, ele estará aberto a discussão na comissão que analisará a matéria, todavia, as mudanças necessárias podem já não mais surtir efeitos, isto porque a medida provisória e norma de aplicação imediata.

No ano passado, o governo optou por mudar a política de concessões do serviço de energia elétrica através da edição de MPs. A MP 579/12 propôs que as concessões em vigências fossem antecipadas e que a nova concessão fosse instituída com novas regras de remuneração. Entre outras medidas, o serviço de geração passou a ter uma tarifa fixada de acordo com cada usina, contemplando apenas custos de operação e manutenção. As tarifas de distribuição ficaram mais baratas em razão da diminuição dos custos de geração, do fim de alguns encargos setoriais e da redução de impostos.

O que parecia ser a solução para o problema da ‘energia cara’ introduziu novas e imensas questões no setor elétrico e na economia brasileira. Os geradores estão enfrentando dificuldades para se manter no mercado, já que a atual política remuneratória, retira e muito o lucro dos empresários; as distribuidoras tiveram que recorrer a empréstimos via BNDES, para conseguir continuar cobrando tarifas mais baixas do consumidor; o encargo da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) ganhou enorme elasticidade e também terá que ser utilizado para compensação financeira das concessões que não foram renovadas; o tesouro teve que fazer enormes aportes no setor, o que possivelmente acarretará um problema inflacionário nos anos vindouros.

Dentre as medidas e impactos da referida MP, uma delas contrariou as expectativas do mercado. A energia elétrica no Brasil é comercializada em dois ambientes: o mercado regulado (ACR) em que a energia é vendida sob o preço de tarifas fixadas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) e o mercado livre (ACL), em que a energia é negociada livremente entre as partes e que o preço observa uma “espécie de indicador” de mercado, o Preço de Liquidação de Diferença (PLD).

A MP 579/12 que posteriormente foi convertida na da Lei 12.783/12, fez com que a energia negociada no ambiente livre deixasse de ser tão atrativa economicamente, já que a energia das usinas com concessões renovadas, e exatamente por isto mais barata, foi totalmente destinada ao ambiente regulado.

 Desta forma, há uma quantidade menor de energia física sendo negociada no mercado livre, e esta energia está sendo comercializada por preços mais elevados. Este cenário parecia indicar que haveria uma diminuição do mercado livre. Todavia, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) aprovou no dia 20/5 a adesão de treze novas empresas em seu quadro de associados. Com a entrada desses membros, a instituição passa a contar com 2.504 agentes.
O ingresso de novos players contraria a expectativa do mercado, a grande questão é entender o porque deste crescimento no ambiente livre, mesmo com todas as sinalizações regulatórias indicando para um recrudescimento. 
Em grande parte as novas migrações para o ACL se devem ao fato de que a energia comercializada neste ambiente está sendo comercializada a um preço melhor, mais elevado. Nos meses de janeiro a março o PLD variou em torno de R$300.Assim, como o gerador não está tendo lucro nas concessões renovadas e o preço pago a titulo de tarifa prêmio nos leilões também é baixo, em torno de R$150 mw/h, tem sido mais rentável comercializar a energia gerada no mercado livre.  Esta é a lógica válida para os geradores.

Mas e para os consumidores do mercado livre? Eles preferem pagar um preço mais caro? Não. A vantagem para estes consumidores é que eles podem comprar a energia de acordo com seu perfil de consumo, inclusive variando as cargas que desejam comprar, em um curto prazo de tempo. Além disso, apesar do preço ser variável e de atualmente estar elevado, nas negociações de longo prazo, consegue-se obter um PLD mais barato, próximo ou abaixo da tarifa paga, no mercado regulado.

Outra vantagem, que vale tanto para consumidores quanto para geradores é o fato de a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), no novo modelo de garantias financeiras, agir como gestora de contratos, suspendendo da negociação dos agentes inadimplentes o que torna a negociação mais segura.
Como se vê este é um exemplo de que nem sempre as decisões políticas surtem o efeito desejado. Neste caso, o mercado demonstrou ser mais forte do que a regulação. Com isto, o mercado livre provou que mesmo com todos os desincentivos regulatórios que vêm recebendo, desde o ano passado, já está maduro, consolidado, no país. Tanto que não teve uma diminuição de agentes negociadores, mas ao contrário elevou o seu número.

Assim, os agentes do setor elétrico tem procurado a melhor remuneração para os seus investimentos e provavelmente, no futuro, ocorrerá exatamente o efeito contrário, ao desejado pelo governo, já que haverá cada vez menos investidores interessados em participar dos leilões. E aí novamente será necessário mudar a regulação. Espera-se que as próximas mudanças não sejam feitas por MPs, mas, sim, através da discussão com os agentes que atuam no setor. Do contrário a regulação será “letra morta” e mais uma vez os agentes atuarão conforme as regras de mercado, procurando opções mais rentáveis.
*Escrito por Isabela Vargas, advogada, especialista em regulação.


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